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Poeta catarinense
com dedos podres
e mania de flâneur

Autor de "Cá Entre Nós -
Odes de Alusão e Ilusão"

PÁGINA-LAPSO


Eis uma página 
em branco, irrevogável, 
à revelia do poeta. 

E tão cheia de si 
que dispensa 
qualquer palavra. 

Despreza o gingado 
do verso criado solto 
pelas beiras do mundo. 

A página-hiato — 

Página-pausa — 

Página-lapso — 

A página intacta –
repleta de ausências 
feito cama bem-feita.  

Página incólume –
muito bem resguardada 
de qualquer mancha. 

Sorumbática 
página-espelho 
a expor o vazio 
de quem a contempla. 

Reticente e taciturna. 
Hipnótica como guizo 
de serpente. 

Página-fenda 
de cavidades 
de árvore oca. 

A página áspera — 

Página abrupta — 

De camadas 
e de segmentos 
e cujo fundo não se vê. 

Mas há o ruído 
o forte impacto 
da pedra não lançada. 
Ouve quem puder. 

Na página desabitada – 
página-poço oculta 
por heras. 

Página-presságio 
de nada, 
augúrio de coisa 
nenhuma. 

Página-percalço — 

desacerto — desvio 

de percurso. 

À página convicta 
de seu próprio vazio 
o texto é uma agressão. 

A narrativa 
é um conluio. 
Autor já não há. 

Palavras ferem 
a pele de papel 
a fundo e com força. 

Arranham seu corpo, 

rasgam seus cantos, 

pesam em suas orelhas, 

atravancam seus rodapés. 

Prestes a ser página, 
optou por deixar de ser. 

Agora, 
ponte pênsil 
tremelicante 
sob um rio 
fictício.

CONTRAPONTO

                                                     (para Magno)

Acho que andam me crescendo
olhos e ouvidos 
sob a pele

Como explicar o mistério
de ouvir vozes
que não ouço

A sandice de ver 
coisas que a vista 
não alcança

Vejo e ouço -
basta que o vento
me toque o rosto

Ora um homem 
a coçar o meio 
das costas

(Não, não houve
tempo em que o homem.
O homem nunca foi.) 

Ali, onde estão 
para lhe nascer
as asas

(Cotovia era andorinha
e fazia verão. Mas nunca
sozinha.)

Ora uns murmúrios 
vindos do norte

Recém chegados
em plena sala-selva

Acho que andam me crescendo
caras e bocas
 
de quem tem fomes novas:
escancaradas

MUAMBA

Livros e putas - notas de rodapé são para uns 
o que são, para as outras, notas de dinheiro na meia.

W.B.



Vender poemas
          a quem puder
          pagar
como quem promete
serviço completo
          satisfação
          garantida
(sem pressa)
         e vontade
         de voltar

Vender poemas
         como quem vende
         o corpo
já embalado
para viagem
         laceado por
         sucessivas
         penetrações
                    livros 
                  orifícios
passíveis de fruição
sempre prontos
para o uso

Vender poemas
como quem desfila
          com garbo
nas esquinas
disponíveis
          e notas de trinta
          dependuradas
para fora
das meias

Vender poemas
a qualquer hora
         do dia
como quem aguarda
a domicílio
         - precisando
         é só chamar -
no sentido mais estrito
         do sigilo
discrição acima
de tudo

Poemas embebidos
em essência barata
         que recendem
         a azedo 
nos lençóis
         do dia após
poemas que mancham
as lapelas
         com marcas
         de batom

    Já a mim que
não vendo nada
nem sei negociar
         o dízimo
a carne não é
de primeira
         o preço
         é outro:
oferto o corpo
         franzino
         insosso
de graça mesmo
a quem possa
         interessar

Ao primeiro 
        que passar

Àquele 
que pagar
       menos

FETICHISMO



Escrevo
   desnudo
              totalmente
                    exposto
de modo que
   as palavras
             me golpeiem
           o corpo todo
submisso
  aos socos
            ao estalar
              dos chicotes
às cintas
  de couro
                 submeto-me
               ao ferro
 em brasa
               às marcas
                 indeléveis
    a pele
  lacerada
                 (de papel)
         a fundo
           e à força
                        insisto
                (não temas)
       e continues
     sem pena
poupando
  só o rosto
               (este, 
               que sorri)
       ferido 
         de frases
e versos       e rasgos
e rimas        e talhos
        e verbos
    em carne-viva.

"ONDE TU VAIS ASSIM, FANTASIADO DE SOMBRA"


Eu quero explicar o motivo de minha presença
aqui.
E o porque de não ter mais aparecido.
Veja bem, a casa sempre cheia de tudo,
de gente, de sinistros ministérios,
de antigos departamentos
de perfumes sem cheiro e sem cor,
do jeito velho de mentir,
de fazer as salas.
Articular que tudo passa,
tudo é edifício e escombro.
Que as coisas se rompem.
Se gastam.
Não servem mais.

OS VULTOS

Começa a anoitecer
no apartamento:
as poses distintas
são hoje do mesmo homem.
Decido catar eu mesmo
                  as guimbas.
    Abafo o manequim,
recolho o maço de fotos.
Lembrar de mim: a noite
é um evocar de vultos.
Olho ao redor
com olhos vinte anos
              mais velhos.
Lembro de mim
vexador atravessando
o salão do bar-restaurante
feito uma Lisa Fonssagrives
                     em pleno trote.
Gazela altiva - pezinhos
em ponta - olhar enviesado.
Nem um passo incerto
ao lembrar de mim
     de pé junto ao
                 timão
à bordo da galena
dos boquiabertos.
Cortando ares,
mares, selvas
        e areais
desconquistas,
dissoluções,
desacessos.
À noite, aos pares,
os vultos se enfileiram.
Lembro de mim,
narinas queimadas,
poppers e parafernálias.
a tomar apontamentos:
               conhecer-se
            no desejo 
          do Outro
         é tomar 
          do Outro
          o desejo 
      por si.
E começar a anoitecer
         no apartamento
como se a noite fosse
um constante lembrar
                     de mim.
Algo se mexe
ao fundo da sala.
Passa por mim como se
           me atravessasse.
Noto pelos cantos
dos olhos. Está aqui.
Algo estar aqui e a noite ser
invólucro de vultos,
desfile de sombras.

PESCA SUBMARINA

Estes trajes
de arraia negra
predizem o futuro.
O último mergulho
mortal na baía
escura.

Com quantos braços
(se me faltam todos)
se faz um remo?
E em quanto tempo
(se soçobram) da margem
até o centro?

Tomar da vida
a proa larga.
Cuidado,
era o que a voz
me dizia:
as águas da baía
têm muitos braços
nas madrugadas.

Ponta de arpão
largada na orla,
barrigas perfuradas.
Apolos e altivos
e adãos jazendo
nas areias.
De entranhas à vista,
príncipes e palhaços
e quixotes entreabertos.

Acometido da visão
de haverem me encontrado
ali, caído entre os peixes,
algas a pender
afora da boca.
Me vi morto.

Verdadeiramente morto,
como nunca antes, embora
ainda mais vivo que outrora.

Desde então,
compete à mim
o que se ergue do fundo.
A mim e só a mim
o que se esgueira
sob a superfície,
e que se revela
em borbulhas
largas.

O monstro do lago
da lenda. O que se faz
impressão de presença.
Contorno de sombra
sinistra vista de cima
a cortar as águas.

O LOBISOMEM DO LEBLON


De dentro
do covil
impressão
de lua
mui cheia:
uivos
ao lustre
no teto
abobadado
altíssimos
moais
cutucando
as copas
os cus
carrancas
cristaleiras
quadros caros
caros amigos
devorados
aos gritos
dentadas
sem pena
nas bicas
das tetas
em credos
e cruzes
e mantas
indianas
e louças
altivas
e picas
de porcelana

HOMEM-RATO


O silêncio na casa 
sinaliza terreno seguro.
Ele se esgueira para fora:
 orelhas em pé,
 olhos vidrados
      

              ante

              pata
  ante
             pata

 e tem o ar aturdido
  de quem se assusta
  com a própria 
                       cara
  com o próprio 
                       susto

vai à despensa 
em busca de grãos
esquecidos na véspera
  ou revira as estantes
  para páginas de livros
  (bastante nutritivos
  para fins de digestão)

até encontra
pelo caminho
 um rato ou outro,
 homem ou outro,
que não o veem
e nem por ele
são vistos

ao menor sinal
                     de ruído
ele corre, espavorido,
 de volta ao fundo
 mais profundo

 do quarto
 toca

SOB O SIGNO DA INTIMIDADE


Intimidade é estar no outro
sem ressalvas. Entrar e sair
sem reservas nem cautelas

E, sem sustos, adentrar
na linha densa de arbustos
da não-familiaridade

É um seguir de rastros fundos
e lentos em espaço aberto, 
habitat pouco a pouco desbravado

Costuma ser assim (diz o povo):
quanto mais se dá
mais se tem

Mas que intimidade é essa
que não se oferece,
não se insinua

não revolve o lastro
e não é marasmo
nem navegação?

[Um coser de palavras
imprecisas e austeras
ao largo dos carretéis]

A que trama compete
o ato, a um só tempo,
ser ricto e sorriso?

Eis o mito:
uma boca entreaberta
tatuada nos lençóis


[Que intimidade é essa
que não é íntima?]

LORENA DÁ À LUZ


De dentro
de Lorena emergiu não uma
mas duas, três outras que Lorena
desconhecia, ela só ria e ria e ria
tão engraçado era vê-las fazendo fila
para sair uma a uma lá de dentro
feito buraco em muro de convento
e era incrível que de cada uma delas
fosse em Lorena a outra que cabia
ainda mais convicta que a primeira
ainda mais legítima do que outrora
parecera (estava grávida e não sabia)
assim eu não me concentro, ela dizia
assim quero todas, e Lorena podia:
por muito tempo não fora outra
que não ela mesma, a primeira
de todas, aquela que só acena,
e Lorena ria (de nervosa) e ria
porque os mamilos das outras
faziam-lhe cócegas na barriga
ao passarem à mil por ela, e ria
como riria de quem dissesse antes
que o que antes lhe assombrara
acabaria um dia em poesia, e ria
como se soubesse (estava grávida
e sabia) que de dentro dela sairia
não uma, mas duas ou três outras
Lorenas que Lorena desconhecia

A EMANCIPAÇÃO DE RAFAEL ZEN


Aos quarenta e cinco minutos
de close do pênis
de Hakim Bey
exibido em clubes
fechados (embora não tão
fechados assim)
Rafael Zen se ergueu
coriscante e anunciou
em altos brados:
eu não tenho nada com isso
que não sou escritor.
E também não sou daqui
(não tenho amor,
eu sou da Bahia
de São Salvador).
Olha meu bronzeado, disse ele,
mostrando a marquinha na cintura.
- Quem mandou dinamitar
o Teatro Castro Alves
fui eu! 
- Quem chutou o pau
da barraca, socou no pavão
o ferro de passar - eu!
Plateia tensa,
mediadores atônitos.
Lu do Lote: Bravo, Mestre!
Me telefonou depois
(ninguém mais se telefona
hoje em dia). Disse:
"As palavras, Lucas,
pertencem àqueles
que as usam até que
alguém as roube
de volta" -
 sem gaguejar
em nenhuma sílaba.
"E tem mais", continuou,
"sua escolha dessa metáfora
explica porque você confunde
eira com beira, alho com talho,
risca com bisca."
Peguei Rafael Zen
pelas fuças e disse amore,
equipe duo foguete,
se tens que ir embora
que seja para Pasárgada,
e alegríssimo sem sonhar
(ó a análise de discurso)
com exportação.
É que nesse trem que vai você
há promissores quitutes, eu sei,
eu soube, as cartas e cacacá.
Mas Rafael Zen é do tipo
que obedece ao que se manda
só para desobedecer
o que dele se espera
(lindo pero insuportável)
- toda uma labuta
nas quebras de expectativa.
Ah, Rafael Zen,
eu te pintaria com as cores
do descaso-desforra
de quem te quis
e nunca te teve,
só para retribuir
os péssimos conselhos
que me dás nesse sol
de quase dezembro, Rafael.
Vou ficando por aqui
com o que tenho, essa cara
de saco sem fundo.
Tu, já em trânsito:
do cu da cobra
para a boca
escancarada
do Mundo.

HIROSHIMA REVISITADA
NUM CENÁRIO DE PRAÇA
(PLATONISMOS)



Não há certezas.
Estamos em um diorama.
(Talvez tenha estado aqui antes.
Talvez sempre tenha estado.)
Projeções no prédio em frente.
Basta um olhar em lupa
para que tudo se descortine.
Sim, roedores nos vieses da palavra.
Por detrás dos rodapés das entrelinhas.
Sim. Há corredores. Há frestas.
Portas entreabertas. Buracos de fechadura.
Meu salto agulha fincado em tocas de toupeiras.
Ah, os versos portugueses que declamo.
Escondo tão bem aquilo que escondo
que quando me ponho a procurar,
não mais encontro.
Isso me acomete em tudo,
de objetos a palavras.
De moedas a intenções.
Troco meias e frases de lugar.
Misturo os conteúdos das gavetas.
Vou - é claro que vou.
Para qualquer lugar,
desde que seja na esfera privada
e que não haja (desde sempre)
filas de autógrafos, plateia
de auditório cheio ao redor.
Te levo escondido pro horto
dar comida pros jacarés. Te digo:
já que não sei mais o que digo,
vou persistir no que pressinto.
Catou a ref., Caio F.?
Assim, ó. Descer para o porão
das conotações. Abrir os baús do
figurado, tirar de lá os figurinos
empoeirados. Treinar passinhos.
Desfilar na frente dos espelhos.
Enxergar enviesado. Desafixar
olhares. Fazer a sonsa.
Dessa forma não se ouve
os ruídos nas grutas nem
os roedores nos vieses.
E serão fidedignos os figurinos
ao período histórico da representação.
Falta-me a palavra de origem.
Falta-me o ponto de partida.
Falta-me a etimologia.
Penso em Dulce Pardal, com seu ar 
de ter ficado ao longe. E linda.
Nossa despedida na Avenida
da Liberdade. O que diria?
Talvez dissesse: Lucas,
onde é que tu te puseste?
As cidades por detrás da cidade.
Galerias de acesso a outras galerias.
Não inventei nada, ainda.
Eu não inventei nada disso.
Eu vi as pessoas caminharem.
As pessoas passam pensativas
pelos fundos das fotografias.
As reconstituições que opero
(pela falta de outra coisa)
cirurgicamente embalado.
E explicações, na falta de outra
coisa. Até aqui, todo um itinerário.
Cenas que recrio, como esta
em que me encontro agora.
A ponta do pau-de-fitas
em sentido anti-horário
enlaçada no teu tornozelo.
O buquê de cogumelos
atirado para o alto. Eu vi
quem pegou. Ninguém viu
que eu vi. Visão periférica
de açoite (o carão da amiga
veio puxar meu pé à noite).
Há música ruim tocando.
Olho por cima dos ombros
(os teus) e lá está a cantora
do hino da bandeira brasileira.
Sempre ela. Tinha de ser na voz
dela a trilha desta noite estranha.
"Contemplando o teu vulto sagrado -
recebe o afeto que se encerra".
Atenta, a pipoqueira entra em cena
(cheiro de pipocas queimadas)
trazendo novas informações:
não há banda. É tudo gravação.
São colagens e recortes.
São rasgos de Verdade.
São diferentes versões
para o mesmo fato.
Varia conforme quem vê.
Cada pessoa na praça
vê a cena de um certo ângulo.
A cada ângulo de cena,
uma nova praça se revela.
Eu, com cara de abismado,
e o abismo se fazendo.
Giro de fininho até o canteiro
de entrada, leques ventando
em pleno ato falho. Tão devagar -
tão de repente, caio. Reergo-me,
enérgico, em pleno plié.
Quem viu ficou passado.
Mais à francesa, impossível.
É pastiche pós-moderno.
Trouxe da minha última viagem.
Não tem no Brasil não, anjo.
"Hoje está disseminado
o princípio da apropriação
criação através de remixagem
de material já pronto."
Mistura adultéria de tudo.
Quem viu ficou mudo.
Há uma única certeza.
Todo texto é vingança
na triangulação do desejo,
no morder da jugular.
Este aqui é minha desforra.

POEMA (II)

Que não fosse          
poema
mas a sombra
                        de um outro
    rosto 
    antigo
   
sem aparentes portas
nem visíveis trancas
aos pés das paredes
vazias

    das bocas
     sem dentes

poema que fosse
       portinhola   
       alçapão
       
                  passagem secreta
                        de um poema
                                  a outro

POEMA

     Que não fosse um         poema
              mas vários          poemas
                       dentro de
               um mesmo        enorme         
                                          poema
                    onde cada um
                versasse o oposto
       do outro            o poema alfa
   ursa maior            mãe de todos
     os outros       poemas ao redor

AOS NETOS DO MILÊNIO



[Neto do milênio,
a História te fará justiça.

És Todos ao passo
em que és Nenhum.

A velocidade do passado
te inebria. A poeira do futuro
te sufoca.

Desta sina, o teu discurso.
Desta ruína a tua causa.

Do ser saturnino que és,
nos escombros tua raiz.]


– Sinto-me pouco muito pouco unívoco
no oco mais oco do sentido do pouco
à margem de tudo à beira de nada
in loco no precipício da pequenez
em larga escala que me diminui
com seu tamanho que me comprime
contra o seu corpo


– Se eu tivesse que dar um título
a minha própria vida seria:

Há Tantos Como Eu
Que Não Pode Haver Tantos.


– Réplica. Simulacro. Holograma. Duplicata.
Cópia da cópia. Reprodução. Diferentes versões
para a mesma coisa. Diferentes nomes para
a mesma versão. Espectro; fantasmagoria, aparição.
Duplo e doppelgänger. Traslado falso. Reflexo embaçado.
Exterior bem decorado. Reles imitação.


– Eu antes tinha querido ser os outros.
Eu antes tinha querido ser o que não fora.
Eu antes tinha querido ser. Eu antes tinha querido.
Eu antes. Eu, antes, tinha tudo.
E hei de viver para sempre num tempo
que está por vir, sempre à margem do que não foi,
irremediavelmente cônscio de tudo o que veio antes.
Haverei de ser lembrado só por quem não me conheceu. 


– Consultei as cartas - as conchas - os astros - as trincas - os túmulos - as tralhas - os tetos enviesados. Os auspícios, os oráculos, as runas e os rumores cegos. Mas quando, quando, quando, quando haverá de ser a minha estreia? Senão agora-agora-agora-agora. Sentirei quando estiver a caminho? Virá até mim em volteios? Qual a data e a hora em que devo me transformar em mim? Como fazer com que caiba no calendário? Quando é que começo a me parecer comigo? Já chegamos? Falta muito, ainda?


– (Quando é que se faz meu próprio palco? Se tudo até então não passou de um ensaio...) Estou à espera da montagem e dos montadores. Estou à espera de um roteiro qualquer. Estou à espera de um espaço em branco, de luzes aéreas. Estou à espera.


– Eu não conseguia. A grande verdade é que eu não consigo. Mas eu queria querer conseguir. Eu quase consegui. Passei como se raspasse na lâmina e deixasse para trás uma fina lasca. Estou em busca dessa fatia que falta.


– Minha terra tem arranha-céus
onde repousam morcegos hi-tech.
Nosso céu tem o pó do mármore.
Nossas florestas têm o odor do aço.
Em rastejar sozinho à noite,
estou em casa – como nunca estivera.
Deuses afogados nesta terra
em rios de liquor escuro
e oxidado.


– Tenho às vezes a impressão de que toda a minha vida poderia ser exposta em uma meia parede, aberta à visitação pública. Tenho a estranha impressão de que a fala dos outros é labiríntica, repleta de curvas sinuosas. Às vezes sinto que conspiram contra mim. Por vezes, sou o próprio Minotauro para este labirinto; por outras, o único desencontrado. Às vezes, meu reflexo na tela plana me faz parecer muito mais bonito do que realmente sou. Às vezes nem me reconheço nas fotografias que tirei há pouco, embora tenha nítida impressão de que os outros me intuem por inteiro. Às vezes gravo minha própria voz e ouço-a repetidamente na intenção de aprender a modulá-la. Se quero às vezes me comunicar e não consigo é porque desaprendi pela falta de prática.


– Tenho a sensação a que deve sentir a ave diante da porta escancarada da gaiola, ao descuido do dono; mas não há dono, nem há gaiola. Só uma ave habituada ao cativeiro, assustada com a perspectiva do voo. O que é que se faz com tanta liberdade - quem souber, me diz.


– Entedia-me profundamente o pensamento de que o novo sempre vem; 
faz o novo parecer algo de abatido. Eu quero o novo mais novo que o que 
ainda está para sair, o qual nem se menciona porque se encontra ainda 
em estágio de feitura.


– Vou-me embora para o Mundo,
lá sou amigo do rei!

Não levo nada desta terra,
a qual nunca hei de pertencer.

Lá tenho o homem que quero
e a mulher que almejo ser.

Basta girar o globo:
para onde apontar o dedo,

mudar-me-ei!
Qualquer terra que não seja esta,

com seus espectros feito gente
e suas más origens;

aqui eu não sou feliz.
Aqui, muito cedo é já
tarde demais.

Lá, vive-se o futuro!
Lá o ordenado é mais farto,

há belos parques
e o ar é até mais puro.

Aqui, o futuro pede bênção
ao passado e deixa os sapatos
na porta antes de entrar.

Lá não se mata gente pelas ruas,
é outra civilização; o povo é cheiroso
e usa gola rulê.

Vou-me embora para o Mundo
- seja Primeiro ou Décimo Quarto -,

e como diria Torquato,
qualquer lugar haverá de ser

melhor que aqui!


– Ninguém solta a mão de ninguém. Não há espaço mais democrático que as fendas 
e os vãos: o buraco é fundo acabou-se o mundo. O primeiro a deslizar para dentro 
agarra-se aos demais, um a um escorregam todos juntos até não restar 
mais ninguém à vista. Please mind the gap, Sirs.


– Minha terra 
tem matizes 
metálicas,

cortinas 
envidraçadas,
tentadoras luzes 
de neon.

As máquinas 
que silvam
por lá

cá ressoam 
dentro de mim.


– Farsante. Trapaceiro. Embusteiro. Burlão. Tramoieiro. 
Tratista. Solerte. Escroque. Girigote. Trambiqueiro. Patifão. 
Belontra. Tunador. Tracambista. Fraudador. Batoteiro. Velhaco. 
Aldrabão. Caloteiro. Trampolineiro. Charlatão convicto.


– Há, entre os habitantes de Faium (ou será Marselha) uma característica deveras peculiar: têm plena consciência de que um dia haverão de morrer. Isto lhes confere notável capacidade de se manterem sempre em movimento, mas, em contraponto, equivalente incapacidade de gerirem o rumo de suas andanças. Por viverem pouco, propõe-se a tudo, a toda sorte de absurdos.


– Disseram-me que em Luxemburgo (ou em Massaua, ou Dorra), instaurou-se uma lei que determina: é proibido troçar da vida humana. Dessa forma, a vida, por lá é um assunto bastante sério. A pena é severa para gracejos de escárnio ao passo em que divergem as jurisprudências: trata-se de troça direta, indireta ou eventual? Quais os agravantes? Caberá recurso de defesa? Há, inclusive, pessoas que ficam presas pelo resto de suas vidas.


– Reparei, em minhas andanças pelos Países Baixos (ou pelos Países Altos, ou pelo Oriente Médio, ou pela Moldávia - já não me recordo bem - ou pelos desertos da Trácia) que o tempo por lá é algo muito importante. Todos se lamentam pelo tempo que passou e se põe a suspirar pelo tempo que há de vir.


– Sou cidadão do Mundo.
Onde moro nunca é a minha casa.
Minha vida é uma galeria aberta.
Exposta a comida que como,
 os bares em que perambulo,
minha milimétrica assimetria,
minha indumentária, as linhas
com que trabalho [só as de alta frequência],
as adoráveis senhoritas e os vistosos rapagões
que me acompanham, meus motes e meus lemas,
minhas frases de impacto [de caracteres contados],
meus móveis novos  para a sala entre vasos de plantas
e fotos da última viagem, viagens antigas a indicar a vontade
de uma próxima viagem, velhas vontades a assinalar uma outra,
uma próxima cidade, um outro itinerário.
Sou meu próprio cartão de visitas,
ao alcance e à espera
de um toque
mínimo.


[Te acalma,
a História te dará moldura.

És todo Movimento
ao passo em que és Inércia.

Deslizas de instantes,
de precificados desejos
que te roem por dentro.

Repara em como termina
o dia de hoje, mais cedo
que o de ontem.

Neto do milênio
- desperta de ti mesmo.]

SORTILÉGIO

Poema que fosse
                 encantação
                 sortilégio
com versos
         que ordenassem
coisas inauditas

Que sussurrassem
          histórias não vividas
que perseguissem
         pelas passagens

Que encurralassem
        nas ruas sem saída

Poema que fosse
despacho, puçanga,
mandinga

Que atravessasse          paredes
que cruzasse                 mares e rios

Que oferecesse
         em prol do intento
o próprio corpo
         em sacrifício

Seta disparada;
         sinal de fumaça;
                    correspondência.

TU, QUE ME LÊS


Tu, que me lês nos macegais,
por detrás dos espinheiros.

Das cercas-vivas, pelos cantos
dos muros, nas naturezas-mortas.

Talvez recurvo sob fachos de archotes.
Talvez à luz de telas líquidas.

À fiel distância
de quem espreita

Pelos trincos das portas,
pelas frestas da feira.

Tu, que me lês como quem se deita
em cacos, em fragmentos soltos,
nas lascas afiadas do poema.

Da epígrafe ao rosto da folha,
crivadas ao corpo como camafeus.

Tu, que me lês com olhar sígnico
de quem lança cartas sobre a mesa.

De quem se guia pelo eco surdo
na penumbra dos caminhos.

Tu, que me lês nos reflexos
das vidraças. Fazes, das palavras,
corredores.

E dos corredores, ameaças
de tua impossível presença.
Algo de irrespondível

Que, ao longe, acena
sem gesto algum.

OBSESSÃO


Querer desvendar-te:

Qual fundo falso –
Qual passagem subterrânea –
Qual sub-reptícia folia –

Qual ar de marinharia
nos cantos escuros das docas.
Quais ossos do ofício.

Que carta de alforria
para as águas noturnas
que manténs cativas.

Umas sombras te guardam.
Outras guardam a mim.

Sim, eu sei. Eu soube.
Detetive de restos, sou eu.

Dúplice, atesto:
as palavras se travestem.

Em rondós e epopeias.
Em veludos e bemóis.

Falta-me a palavra-chave.




Consola
esta fina granada
que pulsa

             agoniada

por entre
o místico
maquinário

             do peito


O MURO


Aquele muro que avistamos,
a nos circundar, não nos resguarda.
Não é esta a sua finalidade.

É antes uma insólita alegoria
de algo que nos isola. 
Do que de nós não se evade. 

Flâmula zombeteira
e fixa no horizonte.

Não é fruto dum consenso, 
nem de um acordo. Não conclui nada. 

É um decreto silencioso, irrevogável
como as rochas que o compõe. 

Está encravado nas linhas do fim
para que incautos não o transponham.

Ali, haverá de permanecer, 
enquanto não for desfeito.

Este muro, ao contrário do que possa
                                                  parecer,
não indica tempos de paz.
É indício de uma guerra armada. 

De teu avô alveneiro herdaste 
o talento para a dureza.
Homem que era de tão poucas 
                                  palavras.

MAL-ASSOMBRADA


As cortinas sempre cerradas.
Alguns objetos da época
se encontram ainda
em grandes caixas
atrás  das  portas.


Nos  quartos, há  malas  de  viagem
à espera  de  serem  desfeitas.


Nas  gavetas,
correspondências  intocadas.
Nos  baús,  acumularam-se  os anos
e  toda  sorte  de  outras  coisas
                                         sem  valor.


Repara  aquele  abajur
embolorado, sem  a  lâmpada.    Vês?
É  certo  que  lembras.
Não  foi  consertado
e  ali  permaneceu.


Desde aqueles tempos
em  que  costumávamos
nos sentar às poltronas
(agora   bambas)
da  sala  de  estar.


Tu e eu, a tecer ilusões
de  grandeza, por  horas  a  fio.


Como  duas  senhoras
a  tomar  chá,
muito  íntimas
em  seus  tricotes.


Ou incestuosos irmãos
repletos de carícias.


Daquela  estante
retirávamos  as  obras-primas
e  fazíamos  escoar  pelos  corredores
as  vozes  dos  mestres.


Líamos para as visitas.
Enchíamos  os  cômodos
de  fluidas  vibrações.


Quem  é  que  diria  que  esta  casa,
outrora  tão  repleta  e  sonora,
jazeria assim,  um dia,  silenciosa
e vazia, sem mistério  algum?


Esta casa mantém  um colorido apático
como numa antiga  fotografia de família,
onde os velhos rostos não condizem 
nem anunciam o que viriam a se tornar.


Neste lugar, tudo é comoção.
Tudo aqui é nostalgia de vida inteira, 
a impor um ritmo catártico nas coisas 
que restaram e nos fantasmas que ainda
                                                      vagueiam.


Como um anfiteatro condenado
prestes a ruir, diante de meus olhos
semicerrados, com ares de sonho,
de algum modo esta estranha casa  
                                                   permanece.

MALDIÇÃO DE FAMÍLIA

                Começo com
               largas porções
               de trapos de tecido.
                          Depois,
               cascas de frutas
               e restos de vegetais
               já fermentados.

Sorvo-lhes o suco.
Sugo até a derradeira 
gota.
              Refestelo-me.
Mesmo um cão rejeita
o intragável,
              mas eu, não.

              Sou glutônico
              e repulsivo,
              a tudo devoro
sem fazer distinções.
Exsudo pela língua
meu interior corrosivo.
À imagem de meu pai
- glutão irrefreável -
             e pai de todos nós,
             herdeiros do tempo.

Mais adiante,
conforme chega a mocidade,
passo a engolir parafusos,
lascas de lâminas, pregos,
alfinetes, moedas e peças
de maquinário.

           Garrafas e talheres,
           louças e apetrechos
           de toucador,
           frascos de perfume,
           malas velhas
           de viagem.

 Placas de trânsito,
 bobinas de cobre,
 balas de canhão.

          De jovem adulto,
          meu apetite se volta
          à toda sorte de pequenos
          seres 
          à beira dos regatos,
          sirvo-me de amebas
          e de salamandras.
          Arraias e rãs.

Caço por larvas
nos lamaçais,
vermes rastejantes 
centopeias sinuosas 
e libélulas que flanam 
             sob a lama.

          Quando os encontro,
          não os examino,
          nem os cheiro:
          finco-lhes logo os dentes
          e engulo com pressa,
          nuns poucos bocados.

Mas há o momento
de minha genealógica sina.
Não sei ao certo
quando é que devoro
um semelhante
pela primeira vez.

         Tímido, a princípio,
         desprendendo os dedos
         das juntas, devagar,
         roendo desde as pontas
         das unhas ao branco
         do osso.

  Acabo por tomar gosto.
Depois, uns olhos soltos,
um par arrancado de orelhas.
E por que não as vísceras,
tão tenras e nutritivas.
E por que não os músculos,
os nervos e as partículas.

              Depois,
um corpo por inteiro.
Depois outro, e outro,
e outro mais.
(Perdi as contas
na casa dos trinta)

Daí para a frente
famílias inteiras,
linhagens completas,
estirpes, casas e brasões.
Depois, cidades inteiras.

         Hoje, são civilizações
o que devoro.

Herdei de Saturno
os maus hábitos
         e o mau hálito.

DA PRIMEIRA FILA

Frente a frente
       numa lufada
                súbita:

                     Vi ilhas agrestes,
                     vi praias desertas,
                     intuí istmos.

                    Vi fontes d'água
                     em meio a areais.

                    Vi casas ladeadas
                     por jardins
                     abandonados

                     e florestas agitadas
                     por imensos
                     temporais.

                     Vi castelos murados,
                     vi claustros sombrios,
                     as paredes porosas
                     de uma caverna

                     de onde vertia, às gotas,
                     um rio subterrâneo
                     em curso reverso
                     ao âmago da terra.

                     Um e outro espectro
                     a cumprir itinerário.

                     Vi pilhas de tomos
                     e resmas de pergaminhos
                     e compêndios alquímicos.

                     Vi ampulhetas e béqueres
                     e tubos de ensaio.
                     E tochas, e velas
                     a conspirarem incêndios.
                     Tetraedros sem pontas.

Numa lufada                              
                                                 súbita
         fez-se o que vi
         e o que não pude ver.



O que nasceu de mim

e o que nasceu comigo

não se admitem.




VERBAL VOLÚPIA

Poema finalista do Prêmio Off Flip 
(Festa Literária de Paraty) em 2017, 
com publicação em coletânea



Consultei as cartas, as conchas, os astros,
as trincas, os túmulos, as tralhas,
os tetos enviesados.
As linhas cravadas a fundo nas mãos.
Os auspícios, os oráculos,
as runas e os rumores cegos.
As pirâmides,
as portas que dão para o nada.
Os raios, as labaredas,
o insólito reflexo da lua.
Os presságios, as presenças,
as possessões.
Os terreiros e os arrepios
de um passado inteiro.

E vi um rosto bem nítido
no borrão da xícara de chá.
E imaginei a tua ternura estampada
nas vísceras de um pardal esventrado.
Enquanto vasculhava por pistas
e espreitava por frestas.

Ousando pérfidos palpites
com base em provas improváveis.
E ossos, e pedaços de tuas vestes.
Constituía planos pueris.
Como quem colheu búzios
para interrogar o silêncio
e obteve como resposta
só o eco da própria voz.

Agora, resta-me ser aquilo
que para mim inventei.
Deixa-me invocar as respostas
como quem invoca, das cinzas,
uma verdade definitiva.
Com o rigor de dúvida de um sábio
e a escancarada convicção de um louco.

E que venham
profetas, padres e pajés.
Os quiromantes, os necromantes,
as pitonisas da Tessália -
seja lá o que for, que venha!
Os filósofos, os moralistas,
os cientistas da matéria,
os juízes da impávida certeza.
Ou marginais, ou bon-vivants,
adoráveis embusteiros,
adoráveis conselheiros -
por que não?

Que venham todas as vozes
da verdade inventada.
Para que se satisfaça, em mim,
esta ignorância que é ávida.
E que uníssonas,
num coro de deboche,
digam-me tão somente aquilo
o que espero de antemão ouvir.

Terei, assim,
ligeira impressão
de que sei de tudo.

MESA REDONDA

(com o pensamento em
Rafael Zen e Marcelo Labes)



Isto não é um poema,
            adverte o poema.
  
E este não é um poeta,
              garante o poeta,
              apontando para 
                                    si.
 Não há poema.
             Talvez já tenha 
                           havido.

E já não há poeta. Não mais.
Sou prestidigitador, 
                           diz o poeta. 
                         Somos todos.

Trabalhamos, 
        desde sempre,
                  com a ilusão.

            Eis o segredo: 
deve-se envolver o espectador
com gestos precisos graciosos
e rápidos de modo que se faça 
verossímil o disfarce.
                              
Todos caem  desatentos 
                     aos prefácios. 
                 
  Exemplo:

           isto 
           que 
           lês  
           não é
           poe
           ma é  
           uma 
           serp
           ente 
       
      l ú b r i c a
    r e t e s a d a
   p a r a   f o r a 
   d o    c e s t o

                    (com a boca 
                          costurada)    

Vê-se a cobra. Não parece real?
Vê o cesto? Tão real quanto!

Vou agora revelar outro truque
                 um truque de cartas 
                                 marcadas.

Esqueci como se faz. Deixa-me 
checar o manual.
                 
Chequei. Faz-se assim

toma-se as cartas em dois montes, 
escreve-se em cada carta do primei-
ro monte os nomes de diferentes ce-
nários terrestres como tundras e char-
cos e pantanais e cárpatos e colinas de 
ciprestes e ferrovias que contornam la-
gos e etc, depois, toma-se o segundo 
monte e escreve-se em cada carta o no-
me de peculiares emoções humanas 
começadas com a letra D tais como 
diletantismo divagação dúvida dissi-
mulação discórdia desprazer deslum-
bramento dó desejo e desencanto, de-
pois, no terceiro monte, que estava
escondido à manga, e ali esteve o tem-
po todo abertamente à vista de todos,  
escreve-se nomes de mulheres poetas 
suicidas tais como Silvinha, Anete, Alê, 
Sarita (dramaturgas contam) e depois 
retira-se uma carta de cada monte e dei-
ta-as à mesa mentalizando o cosmos até 
uma luz divina alcançar-lhe os glúteos 
fazer a merda virar um roliço de ouro
a ilusão é tão real que até brilha

Por fim, o maior dos truques, 
    aquele reservado
    para o ato final.

     Toma-se um poema, 
                     deita-se ele 
       sobre uma bancada
          e com o emprego 
               de um serrote
           serra-se o corpo 
                       ao meio.

Das metades dividas, faz-se dois
poemas, que se lidos separadamente
versam sobre o exato mesmo tema
do outro. Tanto podem ser lidos 
em continuidade quanto à parte.
Quem vê fica bobo:

Isto não deveria ser        poema

o primeiro verso             criado

isto deveria correr             solto

pouco mandado             pouco

como quem pouco            sabe

se lembra                      que tem

que teve                            medo


Vê o rombo? 
Nada menos que real.

E não há g o  t  a 
                    a l g 
                          u 
                            m a  
                                   de  
                                        s a n g u e


Na próxima eu conto tudo sobre
      o poema que se autodevorava         
      o poema da Absoluta Desconstrução
      o poema infinito-em-looping       
      e outros charmes mais sórdidos.

Voltarei em breve.