Rafael Zen e Marcelo Labes)
Isto não é um poema,
adverte o poema.
E este não é um poeta,
garante o poeta,
apontando para
si.
Não há poema.
Talvez já tenha
havido.
E já não há poeta. Não mais.
Sou prestidigitador,
diz o poeta.
Somos todos.
Trabalhamos,
desde sempre,
com a ilusão.
Eis o segredo:
deve-se envolver o espectador
com gestos precisos graciosos
e rápidos de modo que se faça
verossímil o disfarce.
Todos caem — desatentos
aos prefácios.
Exemplo:
isto
que
lês
não é
poe
ma é
uma
serp
ente
l ú b r i c a
r e t e s a d a
p a r a f o r a
d o c e s t o
(com a boca
costurada)
Vê-se a cobra. Não parece real?
Vê o cesto? Tão real quanto!
Vou agora revelar outro truque
um truque de cartas
marcadas.
Esqueci como se faz. Deixa-me
checar o manual.
Chequei. Faz-se assim:
toma-se as cartas em dois montes,
escreve-se em cada carta do primei-
ro monte os nomes de diferentes ce-
nários terrestres como tundras e char-
cos e pantanais e cárpatos e colinas de
ciprestes e ferrovias que contornam la-
gos e etc, depois, toma-se o segundo
monte e escreve-se em cada carta o no-
me de peculiares emoções humanas
começadas com a letra D tais como
diletantismo divagação dúvida dissi-
mulação discórdia desprazer deslum-
bramento dó desejo e desencanto, de-
pois, no terceiro monte, que estava
escondido à manga, e ali esteve o tem-
po todo abertamente à vista de todos,
escreve-se nomes de mulheres poetas
suicidas tais como Silvinha, Anete, Alê,
Sarita (dramaturgas contam) e depois
retira-se uma carta de cada monte e dei-
ta-as à mesa mentalizando o cosmos até
uma luz divina alcançar-lhe os glúteos
fazer a merda virar um roliço de ouro
a ilusão é tão real que até brilha
Por fim, o maior dos truques,
aquele reservado
para o ato final.
Toma-se um poema,
deita-se ele
sobre uma bancada
e com o emprego
de um serrote
serra-se o corpo
ao meio.
Das metades dividas, faz-se dois
poemas, que se lidos separadamente
versam sobre o exato mesmo tema
do outro. Tanto podem ser lidos
em continuidade quanto à parte.
Quem vê fica bobo:
Isto não deveria ser poemao primeiro verso criado
isto deveria correr solto
pouco mandado pouco
como quem pouco sabe
se lembra que tem
que teve medo
Vê o rombo?
Nada menos que real.
E não há g o t a
a l g
u
m a
de
s a n g u e
Na próxima eu conto tudo sobre
Na próxima eu conto tudo sobre
o poema que se autodevorava
o poema da Absoluta Desconstrução
o poema infinito-em-looping
e outros charmes mais sórdidos.
Voltarei em breve.
Voltarei em breve.