Minha foto


Poeta catarinense
com dedos podres
e mania de flâneur

Autor de "Cá Entre Nós -
Odes de Alusão e Ilusão"

PÁGINA-LAPSO


Eis uma página 
em branco, irrevogável, 
à revelia do poeta. 

E tão cheia de si 
que dispensa 
qualquer palavra. 

Despreza o gingado 
do verso criado solto 
pelas beiras do mundo. 

A página-hiato — 

Página-pausa — 

Página-lapso — 

A página intacta –
repleta de ausências 
feito cama bem-feita.  

Página incólume –
muito bem resguardada 
de qualquer mancha. 

Sorumbática 
página-espelho 
a expor o vazio 
de quem a contempla. 

Reticente e taciturna. 
Hipnótica como guizo 
de serpente. 

Página-fenda 
de cavidades 
de árvore oca. 

A página áspera — 

Página abrupta — 

De camadas 
e de segmentos 
e cujo fundo não se vê. 

Mas há o ruído 
o forte impacto 
da pedra não lançada. 
Ouve quem puder. 

Na página desabitada – 
página-poço oculta 
por heras. 

Página-presságio 
de nada, 
augúrio de coisa 
nenhuma. 

Página-percalço — 

desacerto — desvio 

de percurso. 

À página convicta 
de seu próprio vazio 
o texto é uma agressão. 

A narrativa 
é um conluio. 
Autor já não há. 

Palavras ferem 
a pele de papel 
a fundo e com força. 

Arranham seu corpo, 

rasgam seus cantos, 

pesam em suas orelhas, 

atravancam seus rodapés. 

Prestes a ser página, 
optou por deixar de ser. 

Agora, 
ponte pênsil 
tremelicante 
sob um rio 
fictício.