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Poeta catarinense
com dedos podres
e mania de flâneur

Autor de "Cá Entre Nós -
Odes de Alusão e Ilusão"

MAL-ASSOMBRADA


As cortinas sempre cerradas.
Alguns objetos da época
se encontram ainda
em grandes caixas
atrás  das  portas.


Nos  quartos, há  malas  de  viagem
à espera  de  serem  desfeitas.


Nas  gavetas,
correspondências  intocadas.
Nos  baús,  acumularam-se  os anos
e  toda  sorte  de  outras  coisas
                                         sem  valor.


Repara  aquele  abajur
embolorado, sem  a  lâmpada.    Vês?
É  certo  que  lembras.
Não  foi  consertado
e  ali  permaneceu.


Desde aqueles tempos
em  que  costumávamos
nos sentar às poltronas
(agora   bambas)
da  sala  de  estar.


Tu e eu, a tecer ilusões
de  grandeza, por  horas  a  fio.


Como  duas  senhoras
a  tomar  chá,
muito  íntimas
em  seus  tricotes.


Ou incestuosos irmãos
repletos de carícias.


Daquela  estante
retirávamos  as  obras-primas
e  fazíamos  escoar  pelos  corredores
as  vozes  dos  mestres.


Líamos para as visitas.
Enchíamos  os  cômodos
de  fluidas  vibrações.


Quem  é  que  diria  que  esta  casa,
outrora  tão  repleta  e  sonora,
jazeria assim,  um dia,  silenciosa
e vazia, sem mistério  algum?


Esta casa mantém  um colorido apático
como numa antiga  fotografia de família,
onde os velhos rostos não condizem 
nem anunciam o que viriam a se tornar.


Neste lugar, tudo é comoção.
Tudo aqui é nostalgia de vida inteira, 
a impor um ritmo catártico nas coisas 
que restaram e nos fantasmas que ainda
                                                      vagueiam.


Como um anfiteatro condenado
prestes a ruir, diante de meus olhos
semicerrados, com ares de sonho,
de algum modo esta estranha casa  
                                                   permanece.