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Poeta catarinense
com dedos podres
e mania de flâneur

Autor de "Cá Entre Nós -
Odes de Alusão e Ilusão"

VERBAL VOLÚPIA

Poema finalista do Prêmio Off Flip 
(Festa Literária de Paraty) em 2017, 
com publicação em coletânea



Consultei as cartas, as conchas, os astros,
as trincas, os túmulos, as tralhas,
os tetos enviesados.
As linhas cravadas a fundo nas mãos.
Os auspícios, os oráculos,
as runas e os rumores cegos.
As pirâmides,
as portas que dão para o nada.
Os raios, as labaredas,
o insólito reflexo da lua.
Os presságios, as presenças,
as possessões.
Os terreiros e os arrepios
de um passado inteiro.

E vi um rosto bem nítido
no borrão da xícara de chá.
E imaginei a tua ternura estampada
nas vísceras de um pardal esventrado.
Enquanto vasculhava por pistas
e espreitava por frestas.

Ousando pérfidos palpites
com base em provas improváveis.
E ossos, e pedaços de tuas vestes.
Constituía planos pueris.
Como quem colheu búzios
para interrogar o silêncio
e obteve como resposta
só o eco da própria voz.

Agora, resta-me ser aquilo
que para mim inventei.
Deixa-me invocar as respostas
como quem invoca, das cinzas,
uma verdade definitiva.
Com o rigor de dúvida de um sábio
e a escancarada convicção de um louco.

E que venham
profetas, padres e pajés.
Os quiromantes, os necromantes,
as pitonisas da Tessália -
seja lá o que for, que venha!
Os filósofos, os moralistas,
os cientistas da matéria,
os juízes da impávida certeza.
Ou marginais, ou bon-vivants,
adoráveis embusteiros,
adoráveis conselheiros -
por que não?

Que venham todas as vozes
da verdade inventada.
Para que se satisfaça, em mim,
esta ignorância que é ávida.
E que uníssonas,
num coro de deboche,
digam-me tão somente aquilo
o que espero de antemão ouvir.

Terei, assim,
ligeira impressão
de que sei de tudo.