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Poeta catarinense
com dedos podres
e mania de flâneur

Autor de "Cá Entre Nós -
Odes de Alusão e Ilusão"

HIROSHIMA REVISITADA
NUM CENÁRIO DE PRAÇA
(PLATONISMOS)



Não há certezas.
Estamos em um diorama.
(Talvez tenha estado aqui antes.
Talvez sempre tenha estado.)
Projeções no prédio em frente.
Basta um olhar em lupa
para que tudo se descortine.
Sim, roedores nos vieses da palavra.
Por detrás dos rodapés das entrelinhas.
Sim. Há corredores. Há frestas.
Portas entreabertas. Buracos de fechadura.
Meu salto agulha fincado em tocas de toupeiras.
Ah, os versos portugueses que declamo.
Escondo tão bem aquilo que escondo
que quando me ponho a procurar,
não mais encontro.
Isso me acomete em tudo,
de objetos a palavras.
De moedas a intenções.
Troco meias e frases de lugar.
Misturo os conteúdos das gavetas.
Vou - é claro que vou.
Para qualquer lugar,
desde que seja na esfera privada
e que não haja (desde sempre)
filas de autógrafos, plateia
de auditório cheio ao redor.
Te levo escondido pro horto
dar comida pros jacarés. Te digo:
já que não sei mais o que digo,
vou persistir no que pressinto.
Catou a ref., Caio F.?
Assim, ó. Descer para o porão
das conotações. Abrir os baús do
figurado, tirar de lá os figurinos
empoeirados. Treinar passinhos.
Desfilar na frente dos espelhos.
Enxergar enviesado. Desafixar
olhares. Fazer a sonsa.
Dessa forma não se ouve
os ruídos nas grutas nem
os roedores nos vieses.
E serão fidedignos os figurinos
ao período histórico da representação.
Falta-me a palavra de origem.
Falta-me o ponto de partida.
Falta-me a etimologia.
Penso em Dulce Pardal, com seu ar 
de ter ficado ao longe. E linda.
Nossa despedida na Avenida
da Liberdade. O que diria?
Talvez dissesse: Lucas,
onde é que tu te puseste?
As cidades por detrás da cidade.
Galerias de acesso a outras galerias.
Não inventei nada, ainda.
Eu não inventei nada disso.
Eu vi as pessoas caminharem.
As pessoas passam pensativas
pelos fundos das fotografias.
As reconstituições que opero
(pela falta de outra coisa)
cirurgicamente embalado.
E explicações, na falta de outra
coisa. Até aqui, todo um itinerário.
Cenas que recrio, como esta
em que me encontro agora.
A ponta do pau-de-fitas
em sentido anti-horário
enlaçada no teu tornozelo.
O buquê de cogumelos
atirado para o alto. Eu vi
quem pegou. Ninguém viu
que eu vi. Visão periférica
de açoite (o carão da amiga
veio puxar meu pé à noite).
Há música ruim tocando.
Olho por cima dos ombros
(os teus) e lá está a cantora
do hino da bandeira brasileira.
Sempre ela. Tinha de ser na voz
dela a trilha desta noite estranha.
"Contemplando o teu vulto sagrado -
recebe o afeto que se encerra".
Atenta, a pipoqueira entra em cena
(cheiro de pipocas queimadas)
trazendo novas informações:
não há banda. É tudo gravação.
São colagens e recortes.
São rasgos de Verdade.
São diferentes versões
para o mesmo fato.
Varia conforme quem vê.
Cada pessoa na praça
vê a cena de um certo ângulo.
A cada ângulo de cena,
uma nova praça se revela.
Eu, com cara de abismado,
e o abismo se fazendo.
Giro de fininho até o canteiro
de entrada, leques ventando
em pleno ato falho. Tão devagar -
tão de repente, caio. Reergo-me,
enérgico, em pleno plié.
Quem viu ficou passado.
Mais à francesa, impossível.
É pastiche pós-moderno.
Trouxe da minha última viagem.
Não tem no Brasil não, anjo.
"Hoje está disseminado
o princípio da apropriação
criação através de remixagem
de material já pronto."
Mistura adultéria de tudo.
Quem viu ficou mudo.
Há uma única certeza.
Todo texto é vingança
na triangulação do desejo,
no morder da jugular.
Este aqui é minha desforra.