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Poeta catarinense
com dedos podres
e mania de flâneur

Autor de "Cá Entre Nós -
Odes de Alusão e Ilusão"

O QUE ERA HISTÉRICO SE TORNOU HISTÓRICO


Nasceu arquiduquesa
      na Áustria.

Foi imperatriz consorte,
      regente interina.

Ou marisqueira
      na Ilha de Itaparica.

Sua biografia é incerta      
e um tanto obscura.

Espiã-dançarina,
      capoeirista, talvez.

Nada sobre ela
      é conclusivo. 

A precursora
do impressionismo
      em terras tupiniquins.

Não há consenso:
      são parcos os fatos
      e ralos os testemunhos.

Pintora;
      musicista;
             atriz trágica.

Endeusada por uns,
      demonizada por outros.

      Persona por vezes non grata,
malvista nas rodas.

Perita em ciências ocultas,
       assuntos de baixa frequência.

Foi líder de quilombos,
       engajada em militâncias
       e estratégias de resistência.

Descendente das guerreiras icamiaba.
       Cúmplice das múmias sagradas
       de Tejecupapo.

Escandalosa —  alvo
                          para baionetas.
Beligerante —  como se em frenesi
                         de combate.

      Sibilam coisas horríveis
a seu respeito.

      Suspeita do incêndio
de caravelas, da tentativa
de assassinato do presidente.

Dizem que
sequestrou aviões
aos vinte e um.

      Desquitou-se
      aos vinte e três.

E que, aos vinte e cinco,
      primeira de sua linhagem,

deitou ao chão pilares prévios
      para erguer outros, mais novos.

Amiga íntima de Clara Camarão,
                       de Jovita Feitosa,            
                       de Bárbara de Alencar,

de Margarida Maria Alves,
de Carolina de Jesus,
de Leopoldina,

                      de Dinalva Oliveira,
                     de Antonieta de Barros,
                     de Leolinda,

de Teresa de Benguela,
de Maria Auxiliadora Lara Barcelos,

                   de Lota de Macedo Soares,
                   de Georgina de Albuquerque,
                   
de Joana Angélica,
de Maria Quitéria,

                   e de outros tipos perigosos.

        Foi espezinhada,
extraditada dos bailes,
esquecida em masmorras,
lançada aos areais.

       Mas engana-se
quem pensa
que sua memória
se apagou.

Está ainda mais viva
                 que antes,
para além do alcance
de qualquer biógrafo.

Atravessou os tempos
e está aqui presente, hoje,
nesta noite.

Dentro de pouco
       subirá ao banco dos réus
       para rogar uma vez mais
       por sua inocência.

É certo que será 
condenada. 

(Depois,

só muito depois, 
canonizada.)


Seus crimes?
       O de existir
       em demasia
       e o de subverter
       o imaginário
       popular.